Papa, por que somos del Atleti? O coração que os aproxima mais da 'Supercopa'

"Papa, por que somos del Atleti?", pergunta o pequeno a um pai que se vê incapaz de explicar ao filho que toda a história do Atlético de Madrid gira à volta de contrariar estados depressivos auto-infligidos e autoridades financeiras incapazes de serem ombreadas. Fundado em 1903 por um grupo de estudantes do País Basco (com o coração no Athletic Bilbao) residentes em Madrid, ergue-se o Athletic Club de Madrid, filial basca que tinha o intuito de ser a extensão desportiva do diferendo político que sempre demarcou aquela região das restantes, em especial dos 'monarcas' com sede na capital espanhola. O nascimento deste rebento cantábrico marcaria a assinatura de uma parceria inoxidável deste clube com a adrenalina, de um conjunto de indivíduos que se revelariam algo masoquistas, que rejeitam a glória entregue de bandeja, cientes de que, em Espanha, ser do Real Madrid ou do Barcelona é como roubar o doce a uma criança.

Cortariam o cordão umbilical com o Athletic Bilbao em 1921, já sem tempo de se livrar de influências passadas. Como são a questão dos equipamentos, originários de Blackburn e Sunderland, resultando daí o misto de cores que haveriam de apelidar os jogadores e adeptos do Atlético de Madrid de 'rojiblancos'. Mais uma alcunha se lhe somaria aquando da guerra civil espanhola; maioritariamente constituída pela classe operária madrilena, os apoiantes do 'Atleti' sobreviviam, por isso, em condições precárias, dormindo em colchões que, à época, eram revestidos por um fronha vermelha e brancas. Assim surgia o termo 'colchonero', que se revelaria muito mais que uma nova entrada no dicionário: aqueles aficionados, talhados no sofrimento aprenderam, a bem da própria saúde mental e de cabelos brancos escusados, a rir das próprias desgraças. Vejam uma publicidade do clube no seu canal televisivo e logo entenderão.

Embora se tenha batido quase sempre de igual para igual com os gigantes catalães e a realeza de Madrid, o Atlético de Madrid não acompanharia o tango a dois na dança pelos títulos domésticos, somando apenas a primeira participação na Taça dos Campeões Europeus em 1966, ano em que se mudariam, inclusive, para o estádio Vicente Calderon. A sua terceira aventura na prova máxima europeia seria bem mais profícua, mas com o sabor agridoce de uma final perdida diante do Bayern Munique e que fez nascer a lenda de 'El Pupas': a vencer durante grande parte do jogo, o 'Atleti' haveria de sofrer um golo nos últimos 30 segundos da partida. E quase do meio-campo! Nascia a crença de que este clube estava fadado a obedecer cegamente à Lei de Murphy e a penar durante largos anos. Esse título só seria entregue aos alemães num segundo jogo, que haveriam de vencer por 4-0, já com os espanhóis de rastos psicologicamente.

Hoje as coisas mudaram. É uma dádiva podermos desfrutar deste Atlético de Diego Simeone, que chegou para lamber feridas que monstros sagrados como Fernando Torres, Aguero ou Forlán não souberam mascarar. Como podiam, se mesmo após a conquista da Liga Europa 2010, El Pupas havia voltado a fazer-se sentir tantas vezes? Quem não se lembra da deprimente descida de divisão nos idos de 90? Das equipas recheadas de argentinos dos primórdios de 2000? Essas equipas eram uma piada. Sem tanta graça como costumavam ser até ao falecimento do gelatinoso presidente Gil y Gil, mas ainda assim uma piada. Sempre à procura da forma mais apatetada de não vencer, em épocas em que a surrealidade atingia o seu pináculo ao baterem o pé ao Barcelona para logo depois caírem aos pés de Granadas. Com El Cholo os fantasmas começam a desaparecer. O rock n'roll é a banda sonora do Vicente Caldéron, de uma equipa que tem a humildade de retirar prazer em ser maltratada, para logo depois golpear o adversário com mais força ainda. Numa cidade onde mora o clube do século (Real Madrid), ir àquele estádio é procurar uma alternativa a uma vida aborrecida. Porque sejamos sinceros, a maior parte das nossas vidas assim o é. Podem agora ajudar o pai a explicar ao pai "por que somos del Atleti?" ?

Como joga hoje o Atlético de Madrid:  talentosa quanto baste, esta equipa estuda o adversário minuciosamente e faz uma leitura perfeita das debilidades contrárias. Essa leitura penaliza quase sempre os seus adversários, que caem na armadilha de se acharem em vantagem por ter mais posse de bola. A única preocupação de Diego Simeone sem bola é não dar metros excessivos na zona defensiva e garantir a vantagem numérica. Num 4-2-1-2-1 do qual não abdicam, o Atlético joga com extremos que se encolhem para zonas centrais do jogo, permitindo na fase defensiva super-povoar o seu meio-campo (Gabi, Tiago e Garcia) e sair rápido pelos laterais Siqueira e Juanfran. Arda (ou Griezmann, com mais chegada ao golo) pausa o jogo e acelera quando acha que deve. O turco, bem secundado por Koke (futuro da selecção espanhola no meio), que oferece precisão e verticalidade no passe, facilitando a tarefa do clínico Mandzukic, que ataca os espaços como poucos. Porém, descrever a movimentação dos colchoneros é apenas uma peça do puzzle secreto do Atlético. Olhem para a forma como Raúl Garcia festeja aquele golo aos 88' no Santiago Bernabéu e as pistas estão dadas: não mostra a musculatura nem ensaia caretas estranhas. Grita-os e celebra-os com os colegas, como fez toda a vida. Um capitão é isto. Um jogador de futebol também. Nem mais, nem menos.




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