Celtic FC: longe da vista, perto do coração

(O Celtic FC caiu, ontem, pela segunda vez consecutiva no espaço de duas semanas. Com estrondo. De forma justa, note-se. O trevo vai viajar sob a insígnia da segunda prova mais importante da UEFA, por essa Europa fora. É uma pena. Os hinos no Celtic Park encontram par na mais bela ópera da Liga dos Campeões. Resta a consolação de, quais cruzados irlandeses, saber que nem isso calará os 'católicos')

 ‘When I see you Celtic, I go out of my head, I just can’t get enough…’ . Corria o ano de 1981 quando quatro adolescentes de Essex, Inglaterra, puseram a Grã-Bretanha de 'pernas para o ar' e fizeram mexer até a anca mais relutante, reproduzindo sons obtidos através de uns sintetizadores de trazer por casa. Era o seu lançamento rumo ao estrelato, a sua procura por um lugar dentro do muitas vezes inalcançável mundo musical, que extravasa e é rico em estilos e tendências. Quando os recém-nascidos Depeche Mode nos ofereceram esse hino, inoxidável à acção do tempo, que é o 'Just can't get enough', o agora capitão do Celtic FC, Scott Brown, nem sequer tinha nascido, e os pais de Anthony Stokes - sem dúvida o jogador mais talentoso deste conjunto - deveriam estar a dar os primeiros passos como casal. Esta música ruge como mil leões acossados no Celtic Park, estádio do Celtic FC. Há muitas versões entoadas um pouco por todo o lado, mas ali, naquele recinto orgulhosamente católico, o orgasmo é colectivo, poderoso. É a magia dos hinos que passam de geração em geração. Intemporais, imortais. Jamais ultrapassam o prazo de validade, porque não tem um. Não perdem o vigor, não são moda que se arrume numa gaveta. É inegável que, uma das formas de expressão de uma entidade coletiva e suas ideologias num campo de futebol, é feita através da música e cânticos que os adeptos entoam antes, durante e depois dos jogos, servindo como meio de canalização para exteriorizar rivalidades políticas, históricas, nacionais ou religiosas. Religião e Celtic FC é temática para ser inserida de mão dada na mesma conversa. Os Depeche Mode (o vocalista é um católico activo) e o uso das suas letras, são apenas um exemplo da forma fanática e dedicada como exuberantemente, os fãs do Celtic FC, demonstram todo o seu orgulho pelas influências católicas e bravas dos fundadores de um clube que floresceu na hostilidade e descriminação.
 
O Celtic FC é um clube que inicialmente foi formado para facilitar a integração social das muitas comunidades irlandesas na Escócia, sendo um clube que tanto escoceces, como irlandeses, protestantes ou católicos, pudessem apoiar. Mas à medida que o clube foi ganhando preponderância social e os êxitos desportivos se sucediam, o seu papel na comunidade foi diminuindo. A origem irlandesa do clube está refletida num principio: o trevo no emblema da equipa, o nome que representa a dupla identidade escocesa e irlandesa e as cores da camisola, listada de verde e branco. Desde o início que o norte da cidade de Glasgow se associou ao Celtic, e os seus seguidores eram na sua maioria católicos. Em 1895, a direção do clube propôs uma regra para limitar o número de protestantes na equipa, mas foi rejeitada e o clube continuou a acolher qualquer credo religioso. Mesmo assim, o Celtic converteu-se num símbolo para católicos e irlandeses da Escócia, ajudando-os a enfrentar a hostilidade de que eram alvo. Hoje em dia, os ideais dos fundadores do Celtic e seus primeiros adeptos, continuam intactos e presentes através das músicas entoadas no Celtic Park, dos símbolos e bandeiras levantadas. O Celtic é visto, por diversos sectores da sociedade escocesa, como símbolo do catolicismo na Escócia, nacionalismo irlandês e republicanismo. Os adeptos de hoje sabem que durante décadas o clube representou a comunidade irlandesa. Por isso, aquelas canções mais populares entre apoiantes do Celtic são principalmente referências às raízes e identidade do mesmo. Hoje os cânticos são dirigidos para essas raízes, enaltecendo-as. Falam sobre a comunidade resistente de então, das dificuldades que os primeiros irlandeses sentiram. Porque foram esses mesmos irlandeses que fizeram o clube caminhar na direcção  apaixonante que tomou e hoje todos lhe reconhecem. As canções que os seus seguidores adoptaram como meio de expressão nas bancadas, simplesmente celebram o feito da resistência e crescimento. A tradição, história e identidade do Celtic FC não está à venda, e os mais fiéis sempre prestarão tributo a esses valores.
 
O Celtic FC é talvez o melhor exemplo para contrariar os estudiosos que afirmam que o futebol é a nova religião. No norte de Glasgow, a religião sempre foi o futebol. Apesar da atual associação capitalista ao mundo do futebol, o Celtic FC jamais poderá ser entendido fora dessa comunidade católica e irlandesa, um colectivo que sempre terá um peso específico e significado especial dentro do clube. E isso, faz do Celtic único.
 

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