Ronaldinho Gaúcho: the show must go on!

R10 homenageia no Twitter a fabulosa colecção de um fã
É impossível sorrir sinceramente quando, com dez anos de idade, o teu pai morre sem avisar, vítima de uma paragem cardíaca. Aquele campo improvisado no recreio nunca mais será o mesmo, porque sabes que no final ele não te irá buscar à escola. Nunca mais irá parar um bocado só para te ver encontrar aquele espaço no meio da defesa cerrada de garotos. Não é fácil resignares-te à realidade de que, enquanto tu estás fechado numa sala de aulas, o teu irmão mais velho anda lá fora a ganhar a vida dando pontapés na bola. Mas há ocasiões inexplicáveis, quase mágicas, em que um menino de dez anos, nascido em Porto Alegre, Brasil, põe para trás das costas todos os seus problemas com o mais sincero e aberto sorriso.

Ronaldo de Assis Moreira cresceu com pouco mais que uma bola nos pés, um lugar na equipa de futsal infantil do Bento Ribeiro, ou um espaço bem apertado para ver , na televisão, o ídolo Rivaldo comer defesas como se fossem bolachas. O caminho que o haveria de levar até Querétaro, no México, prova aos cépticos que a magia existe. No entanto, é efémera. Ronaldinho sabe que o truque, tal como na magia, está no que não se vê: distraía os seus adversários olhando para um lado, quando toda a acção estava a decorrer no lado contrário. Os seus pés, apesar de nao parecer, eram mais rápidos que a própria visão. As ilusões de óptica chegavam sob a forma de elásticos dilacerantes, bicicletas enjoativas, ou passes tão sedosos que eram aplaudidos de pé. Como naquele dia em que um Santiago Bernabéu, completamente extasiado, brindou um jogador culé com uma chuva de aplausos. Não há registo de algo assim na história entre os dois emblemas. O pássaro, que sofria enjaulado na escola, convetia-se em homem quando a bola lhe chegava aos pés.

Depressa chegou a tela perfeita para 'El Gaúcho' pintar as suas obras. Uma cidade, mal habituada pelas pinceladas artísticas de Gaudi, Miró, Dali e Cruyff, tinha agora em R10 um feiticeiro que fazia desaparecer a bola como se fosse o Taj Mahal nas mãos do Luís de Matos. Onde todos viam uma muralha da China instransponível, Ronaldinho via uma oportunidade para um livre directo. Onde todos viam um bocado de relva deserta, 'El Gaúcho' via o lateral a rasgar desde trás, pronto a receber uma assistência. Quando todos os jogadores blaugrana recebiam apupos, Ronaldinho respondia-lhes com um sorriso. Não sabia estar de outra maneira. A vida, que tanto fizera para o amargurar, armou-o daquela dentuça enternecedora que desarma qualquer mal-intencionado.

Mas qualquer mago se cansa de um público ingrato. 'Dom' Ronaldinho entregou-se então a todos os luxos que não teve na infância. O desfile da moda milanesa, os elixires alcoólicos que libertam demónios nos homens e divindades nas mulheres. Ronaldinho achou que estava na hora de relaxar. Afinal de contas, havia nascido mago, não santo. Os sorrisos foram-se apagando (até fez uma operação para corrigir os dentes da frente!), o futebol tornou-se um negócio de malas cheias de dinheiro, e as aparições do mago tornaram-se menos frequentes. Quando aparecia, transformava o Mineirão num descampado do Bento Ribeiro, onde os túneis que sacas e os truques que provas, são mais importantes que o resultado final. 

O último truque, aquele que todos os mágicos guardam debaixo da manga, foi agora revelado. A mudança para o futebol mexicano é tão inesperada como a mente do melhor guionista da Globo, e vem recolocar o futebol azteca no mapa. À chegada chamaram-lhe macaco. Desconfio que Ronaldinho vai engolir a banana com o sorriso descontraído de sempre.
 

Comentários

Mensagens populares