O desassossego de Frankie

É estranho vê-lo em tons de azul tão suave. Lampard faz parte daquele círculo restrito, avesso ao avançar da idade. O penteado, imperturbável aos desvarios da moda, é o mesmo de quando iniciaram a carreira. Até os calções, que acompanham os anos na sua evolução estética, parecem estaticamente aqueles usados no começo do milénio. Nunca baixam a linha da cintura, nunca cedem à tentação da vaidade. Desta casta provávamos o futebol de Zanetti, Maldini, Iniesta, mas também o de Lampard, o representante inglês que, este fim-de-semana, rompeu com toda a lógica da continuidade. Nem todas as apoteoses, transformações, são celebradas, e ver Lampard percorrer aqueles metros a seguir ao golo que apontou ao Chelsea - e que garantiu o empate do City - cabisbaixo, é conhecer o lado negro do golo. Afinal também há um.

A fidelidade pouco pode contra os caprichos do futebol moderno. Hoje bates convicto com a mão no peito, amanhã és tentado e submisso a um Porsche amarelo na fachada do aeroporto. Frank Lampard, talvez o último exemplar do futebol-sentimental, reconhece a impotência, e segue o guião que, talvez todos em Inglaterra, desejassem ardentemente que não fosse a cena. Depois de treze temporadas icónicas em Stamford Bridge, chegara a hora de colocar a máscara de Efíaltes, e repetir aquela traição que levou à queda dos até então imquebráveis espartanos. "Que vivas para sempre", ouviu-se a maldição com pronúncia soviética, ao único soldado que conhecia uma forma de abrir uma brecha na formação militar de José Mourinho. Frank baixa a cabeça, e não se aproxima sequer dos colegas. Ele sabe que aquele golo o assombrará para o resto da vida. Se Fernando Pessoa ainda estivesse entre nós, não enjeitaria a possibilidade de reescrever a sua maior obra e reservar um capítulo para o 'desassossego' de Frankie.

Comentários

Mensagens populares