Lito Vidigal: o ADN do(s) lobo(s) de Arouca

O Arouca nunca foi um clube pelo qual colhesse especial simpatia. A sua presença no escalão máximo do futebol português até me caía mal. Como um lacticínio fora de validade. Faço esta confissão amparado pelo direito instituído em Portugal de dizermos aquilo que nos dá na real gana. No fim de contas, e apesar do ruído excessivo por todos falarem ao mesmo tempo de megafone em riste, acabou por ser uma vitória constitucional. Há que celebrá-lo a cada dia. Da mesma forma que passo boa parte do meu dia a ler os vossos comentários no Facebook sobre futebol (vocês seguem mesmo a Liga Colombiana?!), desejo que assumam as vossas fobias. "O ódio é o amor sem um bom diagnóstico", dizia um escritor que, honestamente, não consigo invocar.

Acho que me conheço mais por aquilo que não gosto, que o contrário. Os ódios são irracionais, e partem quase sempre de falsos pressupostos. Como aquele que alimentava por um clube que, por não ter mais de 20 mil habitantes, desejava ver numa liga inferior por não ter as condições de clubes como o GD Chaves, Penafiel, Portimonense. Gosto de clubes assentes numa base histórica, solidificada pelo prestígio da presença, com massa adepta digna de ser vista (e aquelas tardes de domingo em Famalicão, hein?). Mas já não consigo fazer vista grossa a um projecto que nasce dos distritais em 2006 e, dez anos depois, está em zona de apuramento para a Liga Europa. Os autores da proeza foram muitos (o presidente, empresário no ramo da construcção cívil, à cabeça), mas há um nome que não me sai da cabeça: Lito Vidigal, um treinador experimentado em trabalhos de baixas expectativas, com aquele ar sério e de quem é incapaz de contar uma anedota. 


Associava o Arouca àqueles adeptos que vão ao estádio se o Porto não jogar à mesma hora, e que saem antes do apito final. Descendo a diminuta escadaria até ao portão de entrada, olhando para trás, com desprezo, enquanto o jogo ainda decorre. Derramando insultos, procurando a complacência anímica do amigo que até ali os arrastou. Certamente que estes dois exemplos não representam a totalidade da população que se deslocava ao Municipal de Arouca, mas numa caricatura os rasgos vêem-se com maior nitidez. As apostas da direcção, liderada por Carlos Pinho, vieram alterar o estereótipo. Com Pedro Emanuel a equipa batia-se. Não vencia muitas vezes, mas tinha personalidade em muitos momentos de jogo. Com Vidigal, o Arouca agigantou-se. Colossal a defender, certeiro como um espadachim no ataque. Vai ao Dragão ou à Luz com a ousadia de um enteado à mesa com aquele padrasto que não suporta. Faz finca-pé. Lá dentro, onde importa.


Pese todas as antipatias que fazia questão em reiterar sempre que via o Municipal despido, comecei a ganhar carinho por Vidigal. Gosto da sua assertividade nas conferências de imprensa. Parece que tem o dom de colocar a agulha no sítio certo, como um bom acupunturista. Nem mais acima, nem mais abaixo. Como jogador era mais disciplinado que talentoso. Como treinador é ácido, mas sem prepotência no discurso. "Afinal sou bom treinador", atirou Vidigal após a vitória no Restelo. Naquele recinto, onde fizeram questão de lhe atirar areia para os olhos na época passada. "Não há razão para alarmes", acossava a junta directiva de Belém quando a harmonia entre Vidigal e a comuna directiva naufragava. Para Lito, 'The Crazy Kid' Vidigal, era como alguém dizer que a água não está molhada. Uma afronta.

Com a última vitória, no terreno do Belenenses, Vidigal tomou aquilo que necessitava. Uma aspirina do tamanho de uma bola de futebol. As vitórias são terapêuticas, como uma corrida de manhã ou um copo de leite quente antes de ir dormir. Agora, ninguém se levanta do Municipal de Arouca antes dos noventa minutos. O código genético foi criado no laboratório de Carlos Pinho, mas é Vidigal quem o manipula para que, ao contrário daquilo que vemos nos filmes, os homens não tenham medo dos lobos. 

António Borges

Comentários

  1. "Gosto de clubes assentes numa base histórica, solidificada pelo prestígio da presença, com massa adepta digna de ser vista"! Isto conquista-se porque todos os clubes que lá estão tiveram todos uma primeira vez na liga, grande parte deles conseguiram essa posiçao quando as eliminatorias eram decididas com moeda ao ar, em vez de penalties! Ha que saber aceitar a mudança e o Arouca desde que chegou a 1º liga tem sido um clube digno de lá estar, dos unicos que paga a tempo e horas, e que nunca falhou com os seu comprimissos, para mim é isso que faz a história! E contra muitos que pensam como o senhor António Borges o Arouca está na primeira liga para ficar! Espero que hajam mais a mudar de opinião e com argumentos melhores do que "gostar de um treinador" o Arouca é mais que isso. Cump!

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  2. Carp F.C.A,

    Antes de lhe responder, agradeço a amabilidade de ter comentado.

    O texto procurava ser mais uma ode ao trabalho e carácter de Lito Vidigal, bem como do seu presidente, Carlos Pinho.

    Em momento algum quis rebaixar o Arouca. Espero, aliás, que continue a crescer à medida dos homens que o tem comandado e dirigido. As comparações que usei acabam por ser um desabafo de alguém habituado a frequentar estádios sempre cheios e com a tal massa adepta "digna de ser vista".

    Reitero: se este artigo está aqui, é porque o Arouca já não passa despercebido.

    Um forte abraço, e um honesto viva aos 'underdogs' como o Arouca, que desafiam a lógica :)

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