Marselha: a equipa mais quente da Ligue1 saiu da geleira de Bielsa

Estamos no ano 2014 depois de Cristo. Toda a Gália foi ocupada pelo expansionismo de Nasser Al-Khelaifi...Toda? Não! Uma cidade povoada por irredutíveis marselheses resiste, ainda e sempre, ao invasor. E a vida não está nada fácil para o general Zlatan e a sua legião no campo fortificado do Parque dos Príncipes...

A adaptação salta do prólogo de 'Astérix' para a realidade. Os inimigos mudaram de nacionalidade, mas a ameaça continua a ser real. Em França, Marselha vive numa bolha de fanatismo que não se alastra ao resto do país. A cidade, outrora um postal de sol e mar, é hoje a capital do crime francês. A única altura em que Marselha deixa de ser um desastre e cenário de delinquência é quando o clube joga. Os produtores de cinema locais imaginam, muitas vezes, um enredo com Zidane e Cantona à cabeça, que pudesse limpar as ruas e devolver Marselha à sua pureza enquanto amante de futebol. Enquanto isso não acontece, há um homem que controla todas as operações em cima de uma geleira. Enquanto saboreia um café. Bem-vindos ao mundo de 'El Loco' Bielsa'.

O treinador, que nunca veste fato e anda sempre de fato-de-treino, desviou as atenções dos portugueses do 'Louis II', a casa do Mónaco de Leonardo Jardim, João Moutinho e Ricardo Carvalho. Em boa hora. O cenário desolador no principado monegasco é um péssimo exemplo. Bancadas desertas, dirigentes mais preocupados que a lagosta não termine numa das tribunas. Paixão não é aquilo. Troquem impressões com um adepto de Marselha e Mónaco, e não demoram muito tempo a perceber o peso que a sua equipa tem nas suas vidas. Em Marselha, tudo deitou as mãos à cabeça quando foi anunciada a saída de Valbuena para o Dínamo de Moscovo, na Rússia. Poucos conheciam Bielsa a fundo. Não os recrimino. A sua trajectória errática, e quase sempre afastado dos focos internacionais mais luminosos, não o torna imediatamente identificável para um devoto das claques organizadas. Pese a personagem que o treinador argentino encerra. Um mês e meio depois de ter chegado ao Vélodrome, todos o ficaram a conhecer. Convocou uma conferência de imprensa, onde afirmou não ter sido tido nem achado nos reforços do clube, culpando ainda o presidente Vincent Labrune pela falta de honestidade aquando da sua própria contratação. Estava escrita e entregue a carta de apresentação de Marcelo Bielsa. Na dia-a-dia de um fã, há poucas coisas que mexam mais com a sua dedicação que ver o técnico da equipa a encostar os dirigentes às cordas, reivindicando melhores condições e dizer-lhe aquelas duas ou três coisas que ele nunca terá oportunidade de dizer. Essa ira costuma ter dois destinatários: o direcção, e os jogadores. Bielsa não dá descanso aos dois. E então, fazendo a vénia, o adepto percebe que o seu treinador é mais um deles. Alguém comprometido e em quem se pode confiar.

Após início da Ligue 1 aos tropeções (uma derrota e um empate), o Marselha leva uma racha de sete vitórias consecutivas. É líder, à frente do PSG e do renascido Bordéus de Sagnol. Bielsa, esse, apesar do sucesso, não se deslumbra. Enquanto Gignac festeja mais um golo, ele continua impávido, sereno, a beber mais um café em cima da geleira.

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