O meu onze ideal do Europeu de sub-21

Emocionalmente distanciado da final de Praga, apresento-vos o onze ideal para 'Futebol-Tricot'do Europeu de sub-21. Contrariamente ao apregoado, não foram apenas aqueles com experiência de selecção 'AA' que se destacaram e levaram longe os combinados que representaram na República Checa. Sem mais delongas, ei-los:

Guarda-redes - José Sá: exemplo mais óbvio e imediato do projecto bebé, liderado por Vítor Baía, para o fabrico de guarda-redes de elite no seio das selecções nacionais. Urge não deixar cair no vazio o fleumático guardião, preservá-lo e exponenciar as qualidades de um atleta que se viu, a época transacta, relegado para um espaço competitivo que já não pode ser o seu, como é o CNS. Decisivo, iniciou a sua saga de coleccionismo de defesas decisivas ainda na fase de grupos, em especial diante da Inglaterra e, nas meias-finais, frente à Alemanha, quando Portugal não quis (nem podia) repousar sobre a vantagem de dois golos que já os agigantava perante os alemães. Pouco ou muito solicitado, José Sá estava sempre no sítio certo para cumprir a promessa de levar a flamejante barba até à final de Praga. Elástico, tem aquilo que eu mais aprecio num guarda-redes: basta-lhe dar um passo ao lado para estar no sítio certo, sem tufos de relva a voar sempre que intervém. No fundo, a predominância da inteligência sobre o físico.

Defesa-direito - Lindelof: há muitas formas de ganhar. Uma delas é defendendo bem. Fisicamente dominante, assinou um contrato de cinco anos com o SL Benfica antes do torneio checo se iniciar. Prova que não o elevou a titular aquando do seu começo, mas cujo cenário foi alterado pelo infortúnio do central Alexander Milosevic na partida diante da Inglaterra. Milosevic recuperaria o lugar, mas Lindelof aproveitou para se fixar no quarteto sueco à retaguarda, revelando-se fulcral no plano de jogo de contenção que os nórdicos sempre fizeram subir ao relvado, possibilitando que, estatisticamente, os números dos 'piriquitos do gelo' não mintam:os golos dos suecos apenas surgiram após os 85 minutos. Coincidência? Pouco provável. Na final, diante de Portugal, o imponente polivalente foi, juntamente com Tibbling, a face da renovada crença que guiou a Suécia a uma ponta final de encontro que, fisicamente, encostou Portugal às cordas e quase evitava a sentença através da marcação de grandes penalidades.

Central - Vestergaard: depois da mudança do Hoffenheim para o aflito Werder Bremen, somou minutos preciosos numa prova de aço, como é a Bundesliga alemã. Líder espiritual da nova vaga dinamarquesa, Vestergaard mostrou predicados na saída de bola pouco habituais num central com a sua estampa física, mas que se revelariam importantíssimas no esquema de defesa a três idealizado pelo seleccionador dinamarquês. Obviamente imponente e esclarecido nas duas áreas, camufla exemplarmente as lacunas (velocidade) com um posicionamento que, a breve prazo, o elevará a um habitat que, por acaso, até já é o seu, visto que já representou o principal combinado dinamarquês por quatro ocasiões.

Central - Paulo Oliveira: depois de um início titubeante na defesa do Sporting, Paulo Oliveira agarrou o lugar com a saída de Maurício para a Lázio. Quem lucrou foi a formação então às ordens de Marco Silva e, meses mais tarde, os sub-21 nacionais. Sempre foi evoluído posicionalmente, mas as lacunas na decisão (que partilha com Sarr) foram sendo abatidas  à medida que o seu tempo de jogo crescia. E ainda bem, porque o ex-Vitória surgiu extremamente personalizado na República Checa, revelando um timing na antecipação muito interessante, ao qual junta o rugido de comando que qualquer dupla exigentementa necessita de contemplar. Um nome que tem de estar na cabeça de quem projecta o futuro português no pós-França 2016. Talvez até no imediato. Veremos como continuará a evoluir esta época.

Defesa-esquerdo - Guerreiro: corro o sério risco de ser enxovalhado pelos indefectíveis de Fábio Coentrão, mas vejo, com a idade do 'caxineiro', mais potencial neste luso-francês. É difícil não olhar para o pequeno lateral-esquerdo, ainda ao serviço do modesto Lorient, e não lhe antecipar um futuro fulgurante. Depois do 'joker' pelos 'AA', frente à Argentina, Raphael Guerreiro chegou à Rep. Checa cotado como um dos melhores laterais da Ligue 1, reputação suportada, também, pelo número de golos somados ao longo da temporada. Que só espantam quem não vê jogar o eléctrico Guerreiro, sempre pronto a dinamitar a ala-esquerda, com penetrações que comprometem compulsivamente as defesas contrárias, apresentando, depois, o fôlego essencial para recuperar de algumas más opções que ainda denota em jogo curto e apoiado. Em bruto, Guerreiro ameaça brilhar. Limado, pede-se que não se torne peça baça.

Médio-defensivo - William Carvalho: dá constantemente a sensação que joga quase por obrigação, como quem o arrancou, a ferros, do sofá. Já ninguém se deixa iludir pelo estilo 'molengão' do 'seis' do Sporting. Espera-se que o ano pós-Jesus revele William em todo o seu esplendor. O William que estes dois últimos anos em Portugal e esta prova permitem antecipar. Assim aumente a intensidade do seu jogo de veludo, não haverá par que equalize a sua qualidade na posição. Podemos trazer Verratti à discussão, mas o português faz tudo o que o italiano faz, e ainda é precioso na recuperação de bola, tantas vezes imaculada e livre de juízo faltoso. É uma jóia, aproveite-mo-lo enquanto anda por cá.

Médio-centro - Johannes Geis: comparativamente a Portugal, se há nação com a capacidade actual de produzir qualidade no centro do campo, são os alemães. E os espanhóis, mas atravessam uma mini-crise no sector. Confirmada a transferência que o leva, agora, até Gelsenkirchen, para alinhar no Schalke 04, Geis acabou por sobressair num meio-campo onde facilmente entrariam os nomes de Bittencourt ou Kimmich, mas quem mais me impressionou (também pela falta de uma aposta mais contínua em Max Meyer) foi Geis e a sua capacidade de fechar linhas de passe quando o adversário tenta construir verticalmente ou em diagonais. Extremamente inteligente e intuitivo, acabou por ser engolido pelo jogo perfeito que Portugal realizou diante da Alemanha, mas na memória fica a leitura defensiva acima da média, muito em particular quando a 'mannschaft' se viu reduzida a dez elementos após a expulsão de Bittencourt.

Médio-centro - Bernardo Silva: o génio, mas que joga com uma modéstia desnecessária, de quem parece pedir desculpas ao adversário por ser tão talentoso. Por lhe fugir numa arrancada devastadora (não pela velocidade empregue, mas pelo timing e jogo de pés), pela retenção do esférico que, sempre escorreito e ligado ao jogo, lhe permite apenas partir para a acção individual quando a solução colectiva não surge. Se surgir, Bernardo reencaminha-a e entrega a carta no código postal certo, com o selo intacto, como faz qualquer bom carteiro. Quando essa (natural) timidez cair por terra, facilmente entra num top-10 mundial.

Avançado - Berardi: saltou muito cedo do pequeno Sassuolo para as bocas do mundo por matar leões. Na ziguezagueante liga italiana, não fazia muitos golos mas, quando os fazia, eram sempre sob a forma de hattricks, ou pókers, a adversários renomados como a Juventus ou o Milão. Nestes sub-21 transalpinos jogou mais encostado a um dos corredores, mas com a nítida tendência de procurar o seu local de caça predilecto: o centro da área. Usou e abusou das transições ofensivas pela direita, que eram o espelho das limitadas ambições italianas (faltou mais jogo interior aos transalpinos), num gesto técnico que, apesar de repetitivo, causou muitos embaraços, a exemplo, a Raphael Guerreiro, que tantas vezes teve de acompanhar o irrequieto avançado para espaços longes da sua zona de marcação. Sai da República Checa valorizado e, finalmente, com a desvinculação definitiva da Juventus (o Sassuolo adquiriu-o em definitivo), vai poder crescer sem a pressão de querer impressionar a casa-mãe.

Avançado - Ivan Cavaleiro: está aqui o extremo do Benfica/Deportivo da Corunha, mas também podia encaixar neste onze Ricardo Pereira. À semelhança de Rafa, ainda não se sabe muito bem qual a posição definitiva e futura de Cavaleito (ou se isso os prejudicará mais que o favorecimento que daí pode advir), mas foi esse caos posicional que ajudou a desmontar as defesas contrárias que Portugal foi encontrando pela frente. Está mais agressivo a cair na linha, ajudando na profundidade que o lateral pode complementar (Guerreiro fê-lo mais que Esgaio), mas em comprimento ainda não sei até que nível Ivan Cavaleiro poderá crescer. Gostei e apreciei a utilidade das suas movimentações, mas ainda me deixa reticente. Até por ter sido sempre o primeiro a ser preterido quando o plano de jogo mudava e incluía uma presença mais estanque como a de Gonçalo Paciência.

Avançado - John Guidetti: um louco. Adoro-o. Pela qualidade, claro, mas sobretudo pela alma e irreverência que empresta a um conjunto sueco que está claramente programado para sofrer e, depois, desferir o golpe fatal, ao bom estilo 'Rockiano'. Comprado há muitos anos pelo Manchester City, esteve esta temporada no retiro espiritual perfeito: Celtic Park, a casa do Celtic escocês. Com o passe na mão, necessita urgentemente de descolar do rótulo de 'novo Ibrahimovic' e encontrar um clube que o destaque como a referência para a qual parece espiritualmente talhado. Finalizador clínico, tem uma qualidade absurda nas bolas paradas e na recepção. Afinal, é aí que um jogador começa, na recepção.

António Borges

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