Brasil: está na hora do país do futebol aprender com o resto do mundo

A expulsão de Neymar, diante da Colômbia, é a fotografia perfeita do actual estado do futebol brasileiro. Um futebol, que no espaço temporal que compreende o final dos anos noventa e a actualidade, passou de herói a vilão. Para muitos, a face da vilania é a CBF (Confederação Brasileira de Futebol), que rege o Brasileirão e não funciona politicamente como uma típica federação. Compactado em 38 jornadas disputadas em apenas seis meses (mais os obsoletos estaduais), a prova, assim houvesse vontade, tinha tudo para ser uma espécie de NBA da modalidade. Mas não há, e alguém teve uma intervenção que resume com rectidão o actual estado das coisas em terras de Vera Cruz: "Se um brasileiro emigra um ano e depois volta, está tudo diferente. Se emigra e volta 30 anos depois, está tudo na mesma. O Brasileirão funciona da mesma forma: se ficar um ano sem ler notícias do campeonato, verificará que aquele jogador e treinador que se habitou a ver num determinado clube já saiu. Se voltar 30 anos depois, deparar-se-à com os problemas de sempre: falta de planeamento, despedimento de técnicos em massa, etc etc". 

A enunciada ausência de planeamento teve como consequência directa a decadente qualidade do futebol local, com repercussões óbvias na selecção nacional que, hoje, está a léguas de projectos europeus que já levam a sustentação de, pelo menos, uma década. E nem aquele humilhante resultado frente aos germânico libertou os brasileiros de uma soberba que insistem em verbalizar. "Ninguém vem ensinar como se joga ao país do futebol!", vociferaram Muricy Ramalho e Vanderley Luxemburgo. O Brasileirão continua fundido apenas à paixão de um povo delirante, mas fiel, ao talento que surge debaixo de cada pedra, e na imprevisibilidade do seu vencedor (há 12 clubes grandes). Os clubes desunem-se e os vícios mantém-se: dirigentes corruptos, salários em atraso, falta de transparência e despedimento compulsivo de treinadores. Esses técnicos, completamente embrenhados no ciclo vicioso, acomodam-se e lidam naturalmente com esta dança que os acomete, desdenhando, com sobranceria, a bravura e o risco corrido, a exemplo, por Simeone, Bielsa ou Pellegrini, quando cruzaram o Atlântico e se fixaram em clubes de média dimensão.

Está na hora do país do futebol aprender com o resto do mundo. Solução: compromisso. A imagem que ilustra este artigo é elucidativa das mudanças profundas a que o jogador brasileiro se expôs, com e no passar das últimas duas décadas. Mas a estética, essa ilusão de óptica, é apenas a ponta do icebergue de uma problemática que, só agora e tardiamente, os brasileiros admitem existir. A raiz, as vísceras do problema, estão numa expressão intimamente ligada à etimologia desportiva, cujo embrião está emocionalmente e culturalmente ligado ao berço da modalidade: o futebol de pé descalço, as peladas, a 'base', o Brasil!. O problema está na base, na formação, mas a culpa, como explicado atrás, não pode ser atribuída por inteiro às transformações mentais do povo brasileiro, sempre e umbilicalmente subjacentes aos avanços sociológicos. E isto não vale apenas para o Brasil. Qualquer nação está exposta aos mesmos 'perigos'.

Como Mano Menezes referiu ao DN: "não se pode entregar o projecto de um país, de uma nação histórica na modalidade, a uma pessoa, a um seleccionador. o projecto tem que ser da Confederação, e o seleccionador, dentro das suas ideias, ser mais uma ferramenta para lhe dar andamento". Mesmo que haja casos pontuais de sucesso, como o Uruguai de Tabarez, Otto Rehhagel com a Grécia, ou o Chile de Sampaoli, onde é evidente que o cunho pessoal é decisivo, embora, e muito em grande parte, devido ao limitado campo de recrutamento. O Brasil não pode continuar iludido: já não basta jogar bonito, como até aqui até vinha fazendo. Modernizar as suas infraestruturas de treino, aumentar a intensidade deste, alterar a organização dos seus campeonatos, traçar um caminho, que não pode levar uma volta de 180º quando o treinador X ou Y abandonam um clube. 

Eu quero o Brasil de volta. Quero um camisola nove como Careca, Ronaldo ou Romário. Qualquer adepto o quer. Não me esqueço da resposta de Guardiola, na final do Campeonato Mundial de Clubes, quando lhe perguntaram como é que o Barcelona havia goleado o Santos: "Jogamos como o meu pai e o meu avô diziam que o Brasil jogava antigamente...". Não há uma crise de valores: o Brasil quer continuar a vencer mas, para que isso aconteça, desta vez o país do futebol terá de baixar a cabeça e aprender com o resto do mundo.

António Borges

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