O meu onze ideal da 'Copa América 2015'

A Copa América - a mais antiga competição de selecções do planeta - distingue-se das restantes provas internacionais por ser aquela que, do ponto de vista emocional, mais se aproxima da realidade de um campeonato nacional. Pelo meio, futebol de enormíssima...intensidade, quase sempre a pedir a máscara de oxigénio à passagem da meia-hora. Como escrevia Luís Freitas Lobo num dos seus apontamentos sobre a competição, para o jornal 'O JOGO', "no Chile, não ganha quem joga melhor, ganha quem joga...mais". O músculo do Perú de Guerrero, os assaltos do Paraguai de Derlis e, claro, a faca nos dentes da sociedade Medel,Vidal&Alexis, que bombeavam sangue para Jorge Valdivia, o arquitecto que, dentro das quatro-linhas, está para Santiago como Michelangelo esteve para Florença.

Eis a equipa ideal, eleita pelo 'Futebol-Tricot, da Copa América 2015, montada num frenético 3-4-3. Ao bom estilo sul-americano.

Guarda-redes: David Ospina - com a chegada do mega-titulado Petr Cech, provavelmente irá perder o reduzido espaço de manobra de que (já não) usufruía no Arsenal. Situação que remedeia ao serviço da Colômbia, onde reaparece oportunamente exuberante, ao bom estilo vistoso do guarda-redes sul-americano. quem não o viu nesta Copa América, basta recordar as memoráveis 'exibições salva-tudo' de Navas pela Costa Rica no passado Mundial brasileiro. Felino, ficam para a história o registo quase imaculado (apenas um golo sofrido em quatro jogos) e aquela dupla-intervenção, a tirar o semi-festejo dos braços de Aguero e Messi no espaço de segundos. Merece ser referência na baliza de uma boa equipa, pelo se aguarda a sua saída dos canhões de Londres no decorrer deste Verão.

Defesa: Carlos Ascues - desconhecido para o grande público, provavelmente ficarão espantados ao saber que Carlos Ascues, central, foi mais um produto descoberto por Jorge Jesus nas suas incursões aos confins da América do Sul. Chegado ao Benfica em 2013, foi rapidamente emprestado a um clube grego (sem sucesso), recolhendo, no ano seguinte, ao Perú, seu país de origem para alinhar no Universidade de San Martín, clube pelo qual, em 2014, chegou à selecção principal para se fixar ao lado do 'Kaiser' Zambrano. Com uma estampa física impressionante, é extremamente agressivo na abordagem aos lances, dos quais sai mais vezes vencedor que vencido. Importante nas dobras por fora a laterais que fogem muito - como são Vargas e Advíncula - é o futuro líder (22 anos apenas) do conjunto de Gareca, que ainda tem como figuras Guerrero e o próprio parceiro de sector.

Defesa: Otamendi - bem conhecido junto do público português, Otamendi continua igual a si próprio. Um especialista a elevar as suas qualidades a um nível tão superlativo que os seus defeitos quase sempre passam despercebidos. Poder de antecipação fora-de-série no ataque à bola em todos os momentos do jogo, chegou de peito inchado ao Chile pela reputação amealhada por uma temporada de mão-cheia no Valência de Nuno. Com a maior parte das equipas que a Argentina enfrentou mais preocupadas a asfixiar o meio-campo alviceleste, teve mais tempo a bola nos pés do que o expectável, camuflando a sua maior lacuna: excesso de audácia na saída de bola através do passe longo.

Defesa: Gary Medel - um pirata. se a equipa de Sampaoli fosse uma embarcação ilegítima em alto-mar, Medel seria, provavelmente, aquele que mais rápido saltaria para assaltar os navios antecipadamente avistados. de estatura diminuta (1,69m), isso não é impedimento para que se cote como o central (apesar de originalmente jogar mais adiantado) mais decisivo do Chile e cuja influência ultrapassa em larga escala qualquer explicação táctico-posicional que pudesse dar para justificar esta escolha. É um 'pitbull': impiedoso na marcação, fulminante nos duelos individuais, tem um coração do tamanho da ambição dos 50.000 chilenos que, naquele final de tarde, incendiaram Santiago e era vê-lo, totalmente fora de si, a berrar junto às câmeras um justíssimo: "Campeones de América!!!!!!!".

Médio: Lucas Biglia - é daqueles sul-americanos que desembarcam incógnitos na Europa e que, anos mais tarde, explodem para serem uma surpresa. até para os próprios compatriotas. Fez-se no Anderlecht belga, cresceu desmesuradamente na Lázio romana, oferecendo, agora, a esta Argentina e num jeito de comparação, a flexibilidade que Rakitic oferece ao Barcelona em ataque organizado, com uma multiplicidade de soluções que resultam (numa explicação simplista) da troca de posições contínua dos jogadores blaugrana, permitindo as entradas desde trás de Rakitic. Resutado: vemos o argentino fora de posição, arrastando marcações ...e deixando Messi e Pastore com mais espaço. Biglia é o Rakitic desta Argentina, e esse é um dos melhores elogios que lhe posso fazer. A ele e a 'Tata' Martino, que percebeu a sua utilidade.

Médio: Jorge Valdivia  - parece, à partida, uma carta fora do baralho pega-fogo montado por Sampaoli para o seu Chile mas, a verdade, é que o modelo não sobreviveria sem as habilidade pirómanas que o mago chileno oferece . Qualidade de passe absurda (suportada pelo músculo do trio Aranguiz-Diaz-Vidal), jogou toda a prova como falso número 'nove', atrás de Vargas e Alexis, usufruindo de liberdade total para o risco do passe no espaço vazio. Fê-lo vezes sem conta, aproveitando as arrancadas espectaculares de Isla pela direita, mas também ditando os timings das arrancadas 'em jogo' de Vargas e Alexis, exímios a jogar na linha do fora-de-jogo. O Chile corre muito, mas só sabe para onde o fazer devido a Jorge. Valdivia, 'El mago'!

Médio: Arturo Vidal - um jogador de excessos. positivos, negativos. dentro, fora do campo. o irreverente médio da Juventus veio de uma época tremenda, tanto em Itália, como na Europa maior. teve a sua continuidade no seio da selecção chilena em causa por causa de uma saída nocturna que podia ter terminado de forma fatal. perdoado, foi absolutamente instrumental, fazendo uso  do seu jogo de compensações posicionais, com ou sem bola. do triunvirato Díaz-Aranguiz-Vidal (aproveitando as descidas como pivot de Díaz até ao duo de centrais), foi o médio que mais se aproximou dos terrenos de Valdivia, garantindo, muitas vezes, a superioridade numérica na área que o Chile quase nunca se preocupa em ter nas imediações. um dos responsáveis por muitos considerarem esta a geração de ouro do futebol chileno.

Médio: Di Maria - fazia-o no Real com sucesso tremendo, não o replicou no Manchester United, mas esta Copa América devolveu-nos o velho Di Maria, excelso e contundente no jogo entre-linhas defensivas inimigas. Tal como Messi, um extremo no papel, que no relvado deixa o rabisco ser constantemente ocupado pelas subidas do completo e competente Rojo. demolidor na goleada infligida ao Paraguai, continua a baralhar o lateral adversário com a sua prenseça frequente em zonas interiores do terreno. é um super-jogador e, depois de Nani, seria um suicidio Van Gaal arrumar com uma capacidade de leitura como a de Di Maria.

Avançado: Messi - Fernando Santos diz que é impossível que uma equipa não gire em torno de atletas como Ronaldo ou Messi. esta Argentina de Martino prova precisamente o contrário. com um papel em todo similar ao de Di Maria, foi uma pena que o seu apogeu tivesse chegado antes da final de Santiago, quando abriu, qual fruta tropical, o Paraguai ao meio. sente-se mais confortável neste modelo de 'Tata', que rapidamente percebeu a importância da rotatividade atacante, através de constantes trocas posicionais, como chave para sorver o melhor que o astro do Barcelona tem para oferecer ao jogo. A complementaridade com Biglia e Pastore fez o resto.

Avançado: Paolo Guerrero - cortou o cabelo, e pensou-se que, qual 'Sansão', perderia toda a sua força, que lhe permite, por terra e ar, ser um elemento dominante. em aproximações cuidadas (com Pizarro ao lado) ou através das transições ofensivas de Advíncula e Vargas (com Guerrero sozinho na frente), o matador peruano é fulcral. finalizador clínico, marcou três golos à Bolívia e fez o mesmo ao Paraguai, dando continuidade ao ano maravilhoso ao serviço do Corinthians que o perde, em pleno Brasileirão, para um dos seus maiores rivais, o Flamengo. Junto a Emerson Sheik, adivinha-se que vá continuar a fazer miséria. foi demasiado curta a sua passagem pela Europa.

Avançado: Eduardo Vargas - não se tivesse auto-abduzido após a fase de grupos, e provavelmente seria Aguero a encher as últimas linhas deste artigo. com uma presença quase nómada e a atravessar crises existenciais desde que aterrou no futebol europeu (Nápoles, QPR), a lâmpada de Eduardo Vargas reacende-se sempre que Sampaoli a gira. Foi assim na sensacional vitória final da Universidad do Chile na Copa sul-americana em 2011 (era Sampaoli o treinador!), voltou a ser, agora, ao serviço do Chile, onde aparece sempre reanimado. provavelmente não fará carreira digna de registo no nosso continente, mas os habitats do futebol são infindáveis, e se uma espécie não se dá em climas amenos, talvez se dê noutros mais exóticos.

António Borges

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