O folclore de Mourinho faz parte de uma engenharia mental de sucesso

Incontornável: as rivalidades bairristas agitam as taças de cervejas com mais convicção, aguçam o vocifero ameaçador, mas, Londres roubar a hegemonia da Premier League a Manchester, tem um gostinho especial. Especialmente a desfavor 'pundits' britânicos descrentes (comentadores ou analistas da jornada), encostados à parede com (mais uma) entrada a pés juntos de José Mourinho. Primeiro ano para testes de pista, troca de pneus para diferentes aderências ao asfalto, e a promessa (com ele há sempre uma, não é?) de que este ano podiam contar com o Chelsea. Prometeu, cumpriu. De forma totalmente merecida. Mourinho nunca será consensual, mas também já anda nisto há anos suficientes para que se perceba que 'merecer' ganhar é relativo. Liderou sem contestação a competição desde a primeira jornada, e foi apenas derrotado por duas vezes. Venceu a regularidade. Por outras palavras, venceu a doutrina do treinador natural de Setúbal. Para isso, contou com Diego Costa, a versão rejuvenescida de Didier Drogba e que abafou a insistente queixa de Mourinho: a falta de um avançado que garanta mais de 20 golos por temporada. Não que para mim isso assuma carácter decisivo e superlativo no sucesso de uma campanha, mas José vive dos seus 'feelings' pessoais. Como no dia em que, quase no fecho das urnas, prometeu algo a Fábregas que Wenger não poderia rebater: títulos. O catalão vestiu as luvas de cirurgião blue, e fez de Diego Costa o assistente idóneo na hora de descoser as defesas contrárias.

O Chelsea aborrecia. A quem investia e não apenas gastava, não. Abramovich via o projecto brotar além do betão lançado na primeira temporada. Apoiado por John Terry e por Nemanja "cimento-cola" Matic - há sempre um Materazzi, um Gallas, um Essien! - o Chelsea tornou-se um favorito das casas de apostas. Estatisticamente fiável e regular, sair da órbita traçada nunca foi um receio. Mourinho nunca tropeçou, levantou os estandartes de guerra habituais, entornou o vinho quando teve de o fazer. Tudo parte de uma engenharia mental que muitos apelidam de maquiavélica, por vezes baixa, mas que coloca o emblema londrino no topo do futebol da capital inglesa.

"É um sentimento especial [vencer este título], porque não sou a pessoa mais inteligente do mundo quando escolho um país e uma equipa para treinar. Podia ter escolhido outro país, mas escolhi a liga da Europa mais difícil de ganhar". Mourinho deverá controlar a soberba. Alex Ferguson já não está presente para brindar com o técnico português e, segundo leio nos meios ingleses, 'Big Sam Allardyce', um dos seus queridos inimigos, foi aconselhado a largar qualquer bebida alcoólica após a sua chegada ao West Ham United. Restam-lhe poucos bens humanos. Os materiais, sobra o que mais interessa, o titulo amealhado. Mas soa o alarme. O alarme que a própria caricatura de Mourinho monta cada vez com maior frequência sobre a necessidade de fazer do sucesso individual um folclore mais mediático que o colectivo.

António Borges

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