Formação: os Estados Unidos preparam-se para travar a progressão do (seu) futebol

A Federação Americana de Futebol aprovou, esta semana, uma lei que limita o uso do jogo de cabeça nos seus escalões de formação, visando reduzir a elevada percentagem de danos mentais que os atletas americanos apresentam todos os anos. Mas, irá resultar? Pergunta mais importante ainda: num desporto em clara ascensão (mediática e qualitativa) no país, será que esta proibição não irá travar a visível progressão do jogo nos Estados Unidos?
A lei apoia-se em factos, mas sobretudo na perspectiva humana de colocar a salvo milhares de jovens americanos de lesões cerebrais. Até aos 10 anos de idade, é completamente proibido usar a cabeça; dos 11 aos 13, apenas nas sessões de treino se poderá aplicar o vulgar cabeceamento. As novas regras, anunciadas na segunda-feira, ajudaram a selar um acordo motivado por um grupo de pais (e jogadores) que haviam processado a Federação Americana, apoiando-se na ideia (indesmentível) de que a saúde mental está à frente da progressão do jogo.
A campanha havia tido início através da fundação - sem fins-lucrativos - do ‘Legado da Contusão Cerebral’ para a proibição dos cabeceamentos antes da chegada ao liceu (high-school) – que acontece, normalmente, aos 14 anos. As novas regras deixam, assim, os atletas que ainda não chegaram ao liceu vulneráveis, mas o passo dado pela Federação veio desenhar uma linha a negrito entre aqueles que poderão practicar futebol sem o risco de contusões cerebrais, e aqueles que já não estão abrangidos pelas novas regras, visto que, crianças com idades compreendidas entre os 10 e 12 anos são mais susceptíveis a danos mentais, pois o seu cérebro ainda não está desenvolvido e os seus pescoços não são fortes o suficiente para suportar o impacto resultante do contacto de uma bola que, lhe pode chegar à cabeça a altas velocidades. Mais: estudos recentes, publicados pelo Jornal da Associação Médica Americana, apontam que o cabeceamento num jogo de futebol é o maior responsável pelo elevado nível de contusões em atletas do 'high-school'.  Baseado nesse estudo, podemos concluir que estas medidas terão um efeito muito limitado, a menos que sejam acopladas a um esforço de reduzir o contacto físico entre atletas em idade de formação. 

Mas, não é esse contacto parte integrante do processo de formação? Ir ao chão, levantar. Subir, cair. Encostar, aguentar. Pressionam, seguram. Ensinar futebol não são apenas variações de flanco, tocar curto e sair em tabelas, domá-la e fugir à lei do fora-de-jogo. Ensinar futebol passa também pela práctica do endurance e da assertividade na postura, pelo trabalho de força, explosão..quer seja na disputa de uma bola, numa antecipação do avançado para evitar a canela do marcador directo, ou o singular acto de deixar para trás um adversário no meio-campo, numa coordenação perfeita entre a musculatura do tronco com a da parte inferior do corpo.

Honestamente, espero que estas novas regras sejam revistas. O futebol sem contacto é possível, continua a ser bonito. Mas, num país que se orgulha tanto do seu jogo musculado - onde o contacto é a alma do espectáculo (sobretudo do negócio!), das jogadas de tirar o fôlego - ver a Federação Americana de Futebol impor estas regras na sua formação é aplicar uma sentença de morte à entusiasmante velocidade com que o desporto-rei na Europa se vinha impondo para lá do Atlântico.

António Borges

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