Jonas e André André: as figuras da nossa liga que se sentariam connosco no café

Podíamos cruzar-nos com eles num qualquer passadiço, frequentar o mesmo café, ou até partilhar momentos de calmaria renovadora numa pescaria de domingo. Também no futebol há espaço para eles, apesar de muitas vezes não lhe concedermos esse estatuto. Nem sequer lho perdoemos. Imbuídos de tanta cotidianidade, por entre penteados fleumáticos, tatuagens tribais ou frases e intervenções prontamente descontextualizadas, quase engolidos pela matilha de vanguardistas, que não entende a comum calça de ganga ou a peça da 'Zara'. Ao fim da quarta jornada da liga portuguesa, as figuras que emergem e assentam na luva descritiva são aqueles que mais dão nas revistas dentro daquelas quatro linhas. Jonas e André André são aborrecidamente...normais. Não há nada neles que nos faça corar, olhá-los com condescendência ou com tiques paternalistas. Não são Neymar nem Jorge Jesus, não são Ballotelli ou Tim Sherwood; há neles uma simplicidade quase insultuosa, uma sensatez que custa a engolir para quem observa e generaliza o fenómeno. Jonas e André André são tão diferentes como aborrecidos. Pergunto-me se algum dia lhes perdoaremos essa indolência fora do terreno de jogo. Porque, lá dentro, são apenas mais um, com a mesma paixão dos restantes, mas com traços qualitativos que acabam, sorrateiramente e à boca pequena, por sentá-los no Olimpo da nossa elite interna.

André André é um homem do futebol. Inevitavelmente, como o filho que cresce a ver o pai a trocar pneus e a calibrar automóveis na oficina, foi desde cedo corrompido pelo jogo. Mas olho para ele e, pelo aspecto, tanto podia estar a dar cartas no FC Porto como poderia estar a distribuir laivos de irascibilidade nos campos da distrital da AF Porto. Um rapaz da Póvoa, cuja missa dominical contemplaria a aventura matutina no mar, o pé de dança nos sintécticos locais e, ao fim do dia, o refastelo com os resumos de ligas sobre as quais ele se resignava em não participar mais activamente. Um rapaz bondoso, trabalhador, que acha piadas às anedotas dos amigos mas que é incapaz de contar uma. Mas, como homem do futebol que é, André André é imune ao aborrecimento, à baixa rotação, um maníaco do futebol com um propósito. Um rapaz que não se deixa afectar pelo sucesso ou fracasso da mesma maneira. Um jogador eléctrico, que pisa forte e pensa à velocidade dos maiores. No entanto, feitas todas as contas, um rapaz de aspecto e atitude normal, na mais cruel extensão da palavra.

Jonas é um jogador diamante e calado. De qualidade inquebrável, inoxidável à acção da passagem de testemunhos técnicos. Um futebolista que parece rasgatado pelo futebol e não o contrário. Um talento assombroso que parece pedir desculpas a cada gesto técnico salivar, como se acreditasse firmemente que não tem o direito a isso. A sua permanência em Portugal e todo o processo de renovação aconteceu da mesma forma com que se apresenta em campo: em pés de lã, suave, sem levantar ondas. Não fez finca pé, não enfrentou as objectivas a exigir este e o outro mundo. Quer retirar-se no Benfica, enamorado pelas demonstrações de afecto do público afecto aos encarnados, devolvendo o amor em doses industriais neste recomeço de campeonato. Jonas é um jogador silencioso. Talvez enfrasque a raiva e um dia lhe possamos ver uma explosão pandoriana, mas até lá só lhe detectamos o talento gelado, nivelado sempre por cima. Talvez por isso seja tão bom, tão imprescindível.

António Borges

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