Plano 'simplex' defensivo de Pedro Henriques

Pedro Henriques é melhor comentador e analista do que foi como atleta. Apesar da experiência em televisão levar um terço do tempo de vida que teve como futebolista profissional. Expressa-se com clareza, emprega a crítica orientada, mas sobressai, sobretudo, pelos apetrechos  comunicativos que trouxe emprestadas dos tempos em que estava mais preocupado em ganhar a linha de fundo do Bonfim, ou a dobrar, também no Restelo, o agora treinador do Belenenses. Os seus comentários enriquecem-nos, e acrescentam sempre algo ao nosso conhecimento sobre o jogo. Em Portugal e em televisão, apenas António Tadeia e Luís Freitas Lobo oferecem o mesmo que o ex-lateral dos três 'grandes' nacionais. Na passada semana, pronunciava-se sobre o definhar do talento dos defesas da actualidade. Argumentava que não se defende com a mestria com que defendia nos tempos em que o próprio estava encarregue da tarefa. Para Pedro Henriques, o nível defensivo decaiu muito nos últimos anos, fazendo notar que há cada vez menos jogadores de topo cujo principal objectivo é defender. Referia-se, desta forma, ao talento defensivo: "Interpretamos sempre filosofia como estilo atacante, nunca como sistema defensivo. Brahimi marca muitos golos em que corta para dentro e chuta com a direita. E eu penso: porque é que o defesa não o obriga a fazê-lo com a esquerda? Às vezes não há atenção a defender".

Pessoalmente, adorava ter sabido defender melhor quando joguei no futebol de base em Mirandela. Gostava de me poder ter sentido insuperável. Uma fortaleza inexpugnável aos ataques do atacante mais destemido, dotado. "Isso, vem meter-te à toca do lobo que já não sais deste buraco!", pensaria para si mesmo um outro eu, hoje um dos melhores defesas do planeta se todos nascêssemos para aquilo que mais gostamos de fazer. "Eu comecei com um bom nível de conceitos defensivos. Mas hoje os jogadores aparecem com um bom nível técnico, e só depois se dão ao trabalho de aprender o resto, a defender, que é tão importante como o jogo do meio-campo para a frente", continuou a defender Pedro Henriques. Achei pertinente a observação, depois de no Verão ter saltado para as bancas um artigo de uma publicação internacional, que defendia como consonante o valor de David Luiz com a exorbitância que o raptou de Stamford Bridge. Não que eu considere David Luiz o pináculo da posição mas, segundo o autor do texto, o facto de hoje vermos médios versáteis, como Mascherano ou Javi Martínez, a desempenhar papéis para os quais não estavam originalmente versados, leva os clubes a reconhecerem a importância de um especialista defensivo. Porque o futebol, o bom futebol, é feito de, e por especialistas. "Quando eu comecei, em 93, 94, era um crime se eu deixasse o extremo cruzar...hoje é perfeitamente desculpável".

Saber defender transpira a anos oitenta, noventa. No limite, início do milénio. E não me perguntem porquê. Parece um manual que só pode ser folheado numa transmissão da 'ESPN Classics', da RTP Memória, ou então numa cassete VHS que os nossos pais guardam juntos às tralhas tecnológicas caídas em desuso. A mim, encanta-me. Admiro profundamente a solidez de um par de centrais onde esbarram os três mil centros que chovem na sua área. Deliro com o lateral que quase se rasga para, na linha fatal, afastar um golo que há muito estava cantado pelo radialista eufórico e imparável. Para mim, um carrinho duro, mas leal, será, sempre, tão ou mais excitante que um remate em arco a rir-se na cara do guarda-redes. Que saudades, Nando!

António Borges

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