Athletic Bilbao: uma casa de espelhos para o FC Porto se (re)ver

Para o FC Porto, entrar esta noite no San Mamés será o mesmo que prostrar-se diante de um daqueles espelhos que nos trocam as voltas nas saudosas feiras populares. São realidades invertidas. De um lado o conjunto português, assobiado pelo tribunal do Dragão ao mínimo desvio exibicional. Do outro, uma equipa imune ao coro irritante, protegida pela convicção apaixonada  das gentes de Bilbao, que nunca, mas mesmo nunca, vaia o Athletic. São dois extremos, que hoje se tocam no País Basco.

"Con cantera y afición, no hace falta importación". A paixão tem uma centelha intrínseca de respeito quando se fala em clubes como o Athletic Bilbao. Não há romântico que lhe fique indiferente. A política de exclusivo abastecimento do Athletic no País Basco faz dele uma das instituições mais peculiares a nível mundial. Cada jogador que veste aquela camisola listada de branco e vermelho é um filho da região. Quando entram em campo, o sentimento que aqueles jogadores levam com eles é o mesmo que se terá ao representar o próprio país. Formação e equipa principal mesclam-se como que numa só. Muitos dirão que o campo de recrutamento é demasiado limitado, que não é suficiente para fazer frente aos grandes, mas isso deixa de ser verdade quando o jogador do Athletic tem em seu poder um argumento que escapa ao mercenário: lealdade sem limites. Virtude que não abunda num desporto diariamente contraditório como o futebol. Constituída a família, é fácil perceber a razão porque, sem os recursos de outrém, o Athletic, juntamente com Barcelona e Real Madrid, faz parte do lote de equipas que nunca desceu de divisão.  No entanto, se o sistema de formação dos bascos não fosse tão bem sucedido, talvez a orientação regional do clube se desviasse do seu trajecto histórico . A forma competente com que, ano após ano, o Athletic se exibe em La Liga, é a prova de que esta é uma aposta ganha. Jogadores tão extraordinários como Pichichi, Zubizarreta, Julen Guerrero e Angel Iribar cresceram naquela casa e, à parte do contributo dado pelo Real Madrid no povoamento de muitos plantéis da liga e selecção espanhola, o Athletic Bilbao cota-se como um dos grandes fornecedores dos grandes nomes que emergem no futebol espanhol. Mesmo hoje em dia, a equipa principal contém jogadores-chave como Iker Muniain, Óscar de Marcos, Mikel San Jose e Beñat, todos promovidos desde as equipas jovens dos bascos. Iker Muniain estabeleceu-se na equipa principal com apenas 17 anos, provando que todo o hype da imprensa do país vizinho em relação a ele é justo. Com o bafo dos grandes clubes europeus a fazer-se sentir em San Mamés, o clube tomou uma decisão inteligente em relação aos contratos dos seus jovens atletas: assinam como semi-profissionais, ficando com cláusulas de rescisão astronómicas. Isto impede que os produtos ali produzidos saiam facilmente do cativeiro, contornando os dissabores negociais do passado. A este aproveitamento interno junta-se a fervorosa massa adepta do clube que, para que se tenha um noção da forma apaixonada com que partilha os ideais de uma região habituada à ostracização, numa sondagem levada a cabo em Espanha, 78% dos inquiridos preferiam ver o Athletic relegado a abandonar a máxima com que foi começado este texto.

Como joga hoje o Athletic: para Ernesto Valverde, ter a bola é fundamental. O problema é que, desde a saída de Ander Herrera, a equipa não está a desfrutar dela o tempo que necessita. Em comparação com a temporada passada, a percentagem de posse de bola do conjunto basco diminuiu consideravelmente, problema que só a inclusão do nem sempre titular Beñat resolve, ligando o meio-campo ao ataque como o agora médio do Man. United fazia. Atrás dele, o pivot mais posicional vai dividindo o seu tempo entre Mikel Rico, Moran ou Iturraspe. Outrora um 'problema', o Athletic apoia-se na verticalidade e no jogo de descomplexado de Oscar de Marcos para camuflar algumas lacunas na construção, secundado por Susaeta e Muniain, que ameaçam mais do que concretizam, acrescentando apenas a espaços alguma profundidade a um conjunto onde ela não abunda. Em casa conseguem montar o cerco à equipa contrária, muito empurrados por um estádio que só sabe incentivar. Com isso, expõe-se aos perigos do contra adversário, especialmente se Lopetegui fizer alinhar Tello e o Herrera, o médio-esticão.

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