Papéis do Panamá: bilhete de avião para a Super Liga Chinesa
Poucos são
aqueles que se fazem ricos sendo honrados. Tal como se contam pelos dedos os
afortunados possuidores de um metabolismo poderoso o suficiente que lhes
adelgace a cintura passando o dia deitados no sofá a comer pizzas. A vida está
desenhada para os piratas que enviam o currículo mais depressa ou tem o dom de
ser a pessoa certa na hora e local exacto. Indiana Jones do nosso quotidiano,
que ajudaram a adensar a mistificação de que ser esperto é mais importante do
que ser inteligente. Na inteligência é fácil encontrar a debilidade moral. Na
‘espertalhice’ é a lei da sobrevivência. A que prevalece, no fundo.
Pessoalmente,
é uma confissão que contradiz aquilo em que quero acreditar mas, no fundo,
resigno-me à verdade absoluta que, hoje, aquilo que os futebolistas ganham é
justo e proporcionalmente directo à riqueza que geram à sua volta. Na nossa
Economia de Mercado, não há nada a apontar a esse facto. Desde que cumpram com
as suas obrigações tributárias, claro está. Algo que, às claras, todos fazem.
Às escuras, o ser humano anda à séculos à procura de desculpas para fugir às
suas obrigações.
Essas
obrigações são os impostos, que existem em prol do bem comum. O bem comum é um
estado de ânimo, como o futebol que, poeticamente, sempre escorre pelos lábios
de Jorge Valdano. Os papéis do Panamá recordam-nos daquilo que sempre havia
estado presente em algum compartimento do nosso depósito cerebral: para
engrossar a sua fortuna, os multimilionários passam metade do seu tempo a
congeminar fórmulas para ocultar o seu capital. São mais acérrimos a disputar
cada moeda de ouro que uma bola dividida no relvado. Zamorano, Seedorf ou Messi
já fazem parte da história. Uma história que os papéis do Panamá abriram novos
capítulos e que, assim, ajudam a perceber a crescente migração de jogadores no
auge das suas capacidades atléticas para latitudes orientais. Jackson Martínez,
Alex Teixeira ou Ramirez são apenas a capa de um livro de auto-ajuda
financeira. Diferente daqueles usados com as crianças para adormecer. Quantos
mais dormes, mais sonhos tens. Com o dinheiro passa-se exactamente o oposto,
pelo que não se espantem se Arda Turan decidir comprar um exemplar e uma
bicicleta para circular por Beijing.
Legislar e
auditar fortunas desmedidas; aumentar penas para delitos financeiros; ‘raides’
incisivos a clubes-ponte e empresas fictícias, fiscalizando-as incessantemente,
são algumas das soluções à mão de semear. Agir com os futebolistas como Gattuso
marcava os adversários: fazê-los sentir junto ao pescoço o seu bafo ímpio. O
futebol é um desporto que movimenta tanto dinheiro que facilmente somos
acometidos por uma sensação de dispersão e falta de rigor no controlo dos
fluxos monetários. Não é palpável mas anda no ar, como uma fossa a céu aberto
cuja localização desconhecemos.
Não quero
cair no discurso da demagogia fiscal: há que asfixiar os jogadores. Como foi
dito, em prol do bem comum. Para que o ânimo não resida apenas nos contos de
fada contados pelo Leicester, mas porque é o futuro de todos nós que está em
jogo. Das nossas pensões ou serviços de saúde. Até do colégio dos nossos
filhos. Não se riam, estou a falar muito a sério. A consequência imediata desta
consciência e visão periférica será a
debandada dos melhores jogadores de países como Espanha, Inglaterra ou
Alemanha, mas creio que esses estarão a pagar um preço demasiado pequeno
comparado com aquele que hoje já todos pagamos. Vivemos numa sociedade opaca e
sem pudores, que se despe sensualmente à nossa frente sem que tema ser punida.
No entanto,
adivinha-se que os papéis do Panamá acabem molhados. Na melhor das hipóteses,
boiarão naquelas garrafas que acabam por ser encontradas por um zé ninguém que, daqui por muitos anos, não
saberá o que fazer com aquela informação. Falta vontade política e, sobretudo, força social, confiança no colectivo. Coisas que antes existiam. Antes, quando o
mundo não era uma criatura insensível sem outra pretensão que não a de
engordar.
António Borges
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