Allegri e o 'software' da incubadora italiana

«Estou preocupado porque tratamos os jovens como galinhas. Em Itália, as seleções jovens chamam os jogadores que melhor se adequam ao sistema da equipa. Na Alemanha, chamam os melhores jogadores e depois trabalham a forma como vão jogar. A diferença está ai, o futebol mudou. Hoje em dia, não é possível surpreender ninguém, por isso, dependemos do talento dos jogadores. (...) O futebol não é apenas táticas e estratégias. Algumas pessoas querem transformar o futebol numa ciência mas não há ciência alguma no futebol. É um espetáculo e os espetáculos são interpretados por artistas.«

A observação é de Massimiliano Allegri, treinador da Juventus, um dos indefectíveis defensores de uma mudança que resgate o futebol italiano de uma falência aberta no início do milénio. Outrora uma incubadora de algum do melhor talento europeu, a Itália precisa de se reinventar. Da mesma forma que a Alemanha o fez a seguir ao Euro 00', quando a hecatombe da selecção germânica foi tão pronunciada que, hoje, raramente vemos um alemão 'alto, forte e loiro'. Não concordo a 100% com o lamento de Allegri. Sim, a Itália precisa de se afastar do paradigma entranhado há décadas no seu futebol, mas há exemplos que desmentem que, numa base regular, a equipa estará sempre à frente do fogacho individual. Não me entendam mal: adoro o rasgo de genialidade, sempre a meio caminho entre a presunção e a confiança indispensável mas, quem se recorda daquele Internazionale de Mourinho, tem um argumento de peso pronto a ser posto em cima da balança das objecções. Eram os jogadores que metiam a bola dentro da baliza, mas a vitória era claramente da equipa. Se perguntarem a alguém quem eram os desequilibradores daquele conjunto, o mais certo é lembrarem-se precisamente dos equilibradores, como naquela noite em que Eto'o alinhou a lateral-direito em Camp Nou. Eto'o, o maior leão indomável da sua geração!

Outro lapso na intervenção do treinador da Juventus pode ser, novamente, associado ao exemplo alemão acima referido. A Alemanha não mudou apenas a forma de jogar. Os germânicos voltaram ao laboratório, mas os experimentalistas eram agora oriundos de novas latitudes. Chamaram à sua Federação alguns dos melhores formadores espanhóis, franceses e holandeses, e aprimoraram aspectos nos seus futebolistas que eram demasiado baços para que se pudesse, à época, pensar sequer em jogar de outra forma que não à base da força e resiliência físico-pulmonar. O alemão já não era um sujeito enormemente musculado, a tentar beber de um conjunto de peças de chá em miniatura. Mirrou, mingou, mas o seu crescimento onde mais importa - na cabeça - aumentou exponencialmente. A Itália está obrigada a uma reformulação similar. Não são apenas as tácticas, as estratégias, que estancaram o 'Calcio'. São os próprios jogadores que, talvez aprisionados à histórica filosofia pedagógica italiana (os especialistas), não se sentem capazes de evoluir o seu jogo para outros níveis.

Embora o problema resida maioritariamente dentro das quatro-linhas, há factores externos, mas inerentes ao jogo, que também ajudariam a explicar a decadência do futebol em Itália. Desde os casos de corrupção julgados e sentenciados, passando (comparativamente com a Premier League, por exemplo) pela fraca exposição internacional do campeonato em mercados emergentes (como o asiático), terminando na fraca capacidade em tornar atractivas as idas a estádios que, exceptuando o novíssimo da Juventus, não oferecem uma experiência consonante com o preço do bilhete.

António Borges

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