"somos consciência, disfarçados de pessoas"


 Detenha-se, e observe uma criança a correr atrás de uma bola ( hoje rareiam, relembre-se surgindo a chance). O que vê?  Observa acção, presença e compromisso com o Agora. Isto é o que torna o desporto (para o caso, o futebol) uma experiência aglomerante e viciante para as legiões afectas. A hipótese de, durante noventa minutos, sairmos de nós mesmos, entregando-nos a um rol de sentimentos que vão do êxtase, à fúria incontida.

Mas e o potencial, a capacidade de saltar etapas temporais qual Dr. Estranho, e envisionar o que poderá valer um atleta, digamos, cinco anos no futuro? Será esse um dos factores que estará a levar à crescente avaliação desmesurada do futebolista actual? Duelar com o que ainda não chegou (nem se sabe se chegará) é um ato de especulação, obrigando a que toda uma estrutura se dedique de alma ao equivalente físico outrora apenas idealizado. Com a preconização chega a ansiedade da prova diária, a frustração aqui e acolá, apenas para ser amenizada por alguns lampejos de qualidade por parte do produto desejado.

O futebol ensina-nos virtudes como a Temperança. Muitos dirão que o futebol transcende a vida: outros, que se trata da "coisa mais importante das menos importantes". O misticismo está lá, e gostar deste desporto (ou qualquer outro) permite-nos coabitar (e daí retirar prazer) em três dimensões: o passado, então apossados pela figura da 'velha glória' ou 'do futebol de antigamente'; o presente, que vorazmente consumimos em doses diárias na expectativa que a nossa equipa esteja preparada para sabe Deus o quê; e o futuro, aberto à fantasia e à subjectividade individual.

Todos queremos (e gostamos de) ter razão. Um ego empoderado traz conforto e segurança. Porém, tolda-nos a essência, eternamente disposta a entregar-se em exclusivo a uma criança que, de sorriso em riste, conduz a bola do presente até ao futuro. Sem suspeitar do exercício.


António Borges

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